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Católicos em Gaza recorrem a cemitérios muçulmanos para sepultar seus mortos

Diante das dificuldades impostas pela guerra, famílias cristãs encontram solidariedade em meio ao luto.

No caos gerado pela guerra entre Israel e Hamas, onde qualquer movimento pode ser fatal, até mesmo o sepultamento dos mortos se torna uma garantia inalcançável. Centenas de corpos ainda estão sob os escombros por toda a Faixa de Gaza, e transportar os corpos para os cemitérios é quase impossível. A situação é agravada pela triste realidade das valas comuns.

Para os cristãos, o desafio é ainda maior, já que seus cemitérios estão todos localizados na parte norte de Gaza, próximos aos seus locais de culto. Para aqueles que falecem no sul, conseguir um sepultamento cristão é impossível.

Recentemente, dois cristãos faleceram no sul de Gaza — Hani Suhail Michel Abu Dawood e Haytham Tarazi. Suas famílias não puderam se despedir deles de maneira final e, por enquanto, não conseguiram retornar com os corpos de seus entes queridos para os cemitérios cristãos no norte. Contudo, as portas dos cemitérios muçulmanos foram abertas para receber seus corpos e proporcionar-lhes um sepultamento digno.

A Reuters relatou o testemunho de Ihsan al-Natour, um funcionário do cemitério muçulmano em Tal al-Sultan, em Rafah, que mencionou o sepultamento de um cristão, Abu Dawood.

“Ele está sepultado entre muçulmanos e não há sinais que indiquem que ele é cristão”, disse al-Natour. “Ele é um ser humano; respeitamos os seres humanos e valorizamos a humanidade e amamos cada pessoa na terra.”

O pastor da paróquia latina de Gaza, Padre Gabriel Romanelli, ao ser contatado pela CNA, expressou inicialmente gratidão “pela compaixão desse homem [Ihsan al-Natour], que verdadeiramente realizou um ato de compaixão, humanidade e respeito ao corpo de Hani.”

Ao mesmo tempo, ele disse esperar que “seja possível, em um momento posterior, retornar o corpo para a Cidade de Gaza e dar-lhe sepultamento em um cemitério cristão, pois é bom que os corpos dos batizados sejam sepultados em cemitérios cristãos.”

Uma vez que Abu Dawood pertencia à Igreja Ortodoxa Grega, seria natural que ele fosse sepultado no cemitério dessa igreja.

Abu Dawood era casado e tinha quatro filhos, sendo o mais novo de apenas alguns meses de idade. Ele trabalhava como ferreiro, manuseando ferro, mas sua saúde era frágil. Desde 2018, Abu Dawood fazia diálise e visitava o Hospital Al-Shifa na Cidade de Gaza três vezes por semana para tratamento.

Após a primeira onda de bombardeios tornar a unidade de diálise inutilizável, Abu Dawood teve que se mudar para o sul, na esperança de continuar seus tratamentos lá. Com a ajuda do Patriarcado Latino, ele conseguiu chegar a Khan Yunis e receber cuidados.

No entanto, quando o diesel necessário para operar as máquinas acabou após os bombardeios, não havia mais nada que pudesse ser feito. Ele tentou retornar ao norte para se despedir de sua família, que havia se refugiado na paróquia latina da Sagrada Família. Infelizmente, ele não conseguiu obter permissão para isso e faleceu em 1º de fevereiro, logo após seu 45º aniversário.

Tarazi, 34, já estava no sul de Gaza, em Zawayda, onde havia se refugiado com sua esposa e dois filhos pequenos, quando sofreu um grave ataque de apendicite. Ele também não teve a oportunidade de obter permissão para retornar ao norte para tratamento médico e, quando conseguiu chegar ao Hospital de Khan Yunis, sua apendicite já havia evoluído para peritonite. Não havia nada que pudesse ser feito.

“Ele também está sepultado no sul”, disse Romanelli à CNA. “A família já solicitou a devolução do corpo, mas ainda não nos foi concedida permissão. A ideia é sepultar nossos irmãos em cemitérios cristãos e realizar os ritos fúnebres sobre seus corpos, além de rezar por suas almas porque, para nós, o corpo é sagrado. Esses mesmos corpos, pelo poder de Cristo ressuscitado, ressurgirão. Esses corpos são sagrados pelo que foram em vida e pelo que se tornarão com a Ressurreição.”

Fonte: CNA